"Onde 'isso' estava, Eu devo advir" - Sigmund Freud

26 de março de 2013

"Estou com uma música na cabeça" - O INCONSCIENTE E DETERMINISMO- entenda o funcionamento da mente




       Às vezes as pessoas estão com uma música que não lhes "sai da cabeça". Pois bem, agora pretendemos mostrar porque isso acontece, e a resposta a isso promete revelar a forma de funcionamento da psique como um todo.


      Já mostramos em outros tópicos que a mente é dividida em uma parte consciente e uma inconsciente. O consciente seria tudo aquilo a que temos acesso num dado momento, ou seja, tudo aquilo que está passando por nossa cabeça e que nós reconhecemos. Já o inconsciente seria toda a parcela da vida mental que desconhecemos, aquilo que não temos acesso. Nossa mente funcionaria então como um computador, onde o consciente seria tudo aquilo que é apresentado pelo monitor. O inconsciente - que ocupa a parcela bem maior da vida mental - seria como todos aqueles processos em andamento que não estariam à mostra na tela do monitor - embora bem saibamos e acreditamos que estão em funcionamento, devido às suas manifestações que vez por outra aparecem na tela. Um pop-up de um antivirus, convenhamos, não vem do nada - do nada, deduzimos, não pode sair nada. É fruto de um programa que, embora não esteja presente ininterruptamente na tela, está sendo processado nos bastidores (se podemos nos expressar assim) do computador. Da mesma forma, as coisas não vêm a nossa cabeça, à nossa consciência, do "nada". São o reflexo de processos mentais que estão ativos em nosso inconsciente, e que se manifestam por aquele algo que nos chega à consciência. Através de uma análise, através da técnica psicanalítica desenvolvida por Sigmund Freud, a "associação livre", pode-se chegar à origem, a causa ou motivo daquele elemento presente na consciência - sua raison d'être. Chegam à consciência quando reúnem energia o suficiente para irromper no sistema perceptivo, para chamar atenção para si, para "serem notados". Para terminar a nossa analogia entre a máquina humana e a tecnológica, podemos apenas dizer que enquanto no computador o que se encontram in absentia em processamento são programas, no ser humano se tratam de pensamentos.

       Portanto, tendo dito isto, podemos passar a nossa análise das "músicas na cabeça". Como já afirmamos, algo não se torna consciente "do nada". Por mais fortuito que possa parecer, quando uma música se torna consciente para uma pessoa - ou seja, o indivíduo não estava pensando nela, mas de repente esta lhe veio a mente - pode-se bem mostrar que esta foi pré-determinada por processos de pensamento inconscientes. E dizemos mais: os significantes (ou palavras) contidos na letra da música que veio à consciência, fornecem-nos uma chave para compreender pensamentos ocultos na mente do indivíduo. Freud já nos alertou: "não há no psíquico nada que seja arbitrário ou indeterminado" (FREUD, 1901, p. 240). Os processos mentais são regidos por uma energia, e é a intensidade dessa energia que regula o curso dos processos. Não é à toa que a investigação dos atos falhos, ou até mesmo de fenômenos como essas músicas que "não saem da cabeça", revele sempre conteúdos penosos para o indivíduo em questão: pensamentos que foram "arrancados da consciência" por serem desprazerosos, ou decorrentes de moções pulsionais que foram inibidas em direção à meta - como por exemlo, uma ocasião em que uma agressividade muito grande voltada contra alguém teve de ser suprimida. Esses processos continuam a subsistir no inconsciente pois mantém uma carga de energia relativamente considerável. Dessa forma, ficam sempre à espreita esperando uma ocasião favorável para poderem retornar à consciência.

       A respeito desse "determinismo psíquico" há testes comprobatórios: por exemplo, pode-se pedir a uma pessoa que mencione um número qualquer, entre 1 e 1 milhão, de forma completamente arbitrária. Após empregado o método analítico da associação livre sobre aquele número se revelará que este não foi dado por "acaso": processos inconscientes motivaram a escolha do número. Todo um conteúdo de grande relevância para o sujeito, o que há de mais íntimo nele, será revelado após a análise.

       Como confirmação do determinismo psíquico posso mostrar um exemplo: uma pessoa, próxima a mim, de repente começa a cantar a música "Brasil" de Cazuza. O sentido ficou muito evidente para mim, pois conhecia muito bem a pessoa em questão, e sabia a respeito da vida dela. O que o surgimento dessa música quis mostrar? Dias antes ouvi dessa pessoa que ela tomara parte num negócio envolvendo grandes somas de dinheiro. Desde então aparentava bastante preocupada, e quando eu perguntava a respeito, me dizia categoricamente que não tinha dúvidas quanto a decisão que havia tomado. Eu sabia que só tinha feito o investimento pois seus parentes haviam lhe pedido - parentes estes que desde então também se tornaram "sócios". Daí então o que aquela música queria dizer: expressava uma desconfiança inconsciente dessa pessoa em relação a seus familiares. Embora conscientemente jamais tivesse expressado dúvidas quanto à boa intenção dos membros de sua família - justamente por ser uma idéia por demais penosa, acreditar numa possível traição dos próprios parentes - a manifestação da música atestou o contrário: que haviam sim incertezas quanto ao investimento que havia feito. Os significantes da música deixam isso claro: "Brasil! Qual é o teu negócio? O nome do teu sócio? Confie em mim...". Assim o pensamento inconsciente suprimido fez-se ouvir na manifestação da música. Mais tarde suas incertezas se mostraram confirmadas.

       Músicas como esta, com um alto grau de riqueza simbólica, que simplesmente não parecem querer "deixar a consciência", sempre vão nos levar a investigações e a resultados desse tipo. Às vezes as músicas refletem apenas um estado de espírito, como alegria ou tristeza. Se alguém simplesmente começa a cantar "ah lelek, lek lek" não acredito que aja - na maioria dos casos - uma forte motivação - por parte de conteúdos emocionais - envolvida no tornar-se consciente da música.